Folhas Amarelas

Certamente, pelo título, você deva ter imaginado que isso seria uma história romântica com fotos esquecidas na gaveta e amareladas pelo tempo… Sinto muito decepcioná-lo, pois não vim aqui para dizer o que você quer ouvir. Vim dizer o que sinto. Ah, você não quer saber, mas eu quero dizer, então, preste muita atenção…

Não sei se todos vão entender essa referência, mas sei que aqueles que estão desempregados ou em subempregos entenderão, e isso me basta, porque falo para eles que constroem essa nação.

Dia desses, passando por um banca de jornais aqui em São Paulo, vi aquele famoso jornalzinho de empregos que tem páginas amarelas, O Amarelinho, e a reportagem de capa me preocupou profundamente: “Desemprego no Brasil cresce”, alguma chamada nesse estilo. E, como um raio, aquilo me atingiu porque um jornal que fez sua fama oferecendo empregos — empregos mesmo e algumas ciladas — notificar que não tem mais empregos para noticiar?! A mim me pareceu um princípio de sérios problemas, afinal nossas chances estão minguando, enquanto se discutem reformas que, na verdade, ninguém quer realmente fazer, pelo simples motivo de que não há interesse na vida desse país.

Você pode até argumentar comigo que “não é bem assim”; meu amigo, você mora na periferia? Quantas pessoas você conhece que estão sem emprego? Ou fazendo ‘bicos’ — trabalhos informais e, de desânimo mesmo — porque não conseguem cumprir com seus compromissos? Quantas pessoas você conhece que estão com todas as suas contas em dia? Então, meu caro, não argumente; se puder, apenas tente me explicar por que quando morre um pobre, cidadão de bem, trabalhador, a justiça demora tanto para ser feita, e quando morre celebridade tudo fica até mais colorido?

Está querendo me dizer que o pobre não tem cor? O negro, o pardo? E os índios que morrem há quinhentos anos, sem justiça e sem cova? E todo o sangue derramado nas esteiras rolantes das linhas de produção? Aquele, amargo, suado, triste que jamais se transforma em reconhecimento ou promoção? Também não tem cor?

As folhas da história estão amarelas é de vergonha, e não do tempo, porque o que se faz com as pessoas nesse lugar é vergonhoso. E não quaisquer pessoas, só aqueles que são encarregadas, todos os dias, de mover o motor dessa economia catatônica, em coma há tanto tempo, e sem ter quem lhe queira fazer um ‘boca a boca’ para ajudá-la a respirar.

E com tudo isso que lhe falo, meu amigo, ainda sou obrigada a ouvir presidente dizer que contingenciamento é necessário para que não afundemos de vez. Se me permite, dou meu pitaco: ao invés de tirar da Educação e da Saúde, tire de seus gordos e prósperos rendimentos porque, se estamos acostumados a nos virar com pouco, sendo brasileiros, se vocês também o são, tenho certeza que saberão se virar tanto quanto nós. Se não, porta de rua é serventia da casa.