Um cigarro aceso
Dia desses, fazendo compras pelo meu bairro com minha mãe, vi uma cena inusitada, pelo menos para mim, já que não sou fumante e acho curiosa a relação entre o fumante e seu cigarro.
O cara estacionou o carro em frente à farmácia, e estava fumando. Desceu do carro e foi em direção à entrada, pegou seu cigarro e o deixou num canto no chão, perto do batente da porta da farmácia. E o cigarro ficou ali, durante alguns bons minutos, queimando sozinho, numa situação que à primeira vista, poderia ser de abandono, ou então de liberdade: como será que aquele cigarro estava se sentindo ali?
E diante desse fato, fiquei me questionando, se aquele cigarro representasse uma vida, por exemplo, quantos de nós se disporia a ajudá-lo ali largado na entrada da farmácia?
Em outro cenário: se fosse um maço de dinheiro esquecido ali quantos de nós notaria que havia dinheiro no chão, sem dono, talvez?
Tantas coisas que um mero cigarro pode nos fazer refletir. O desprendimento com que tratamos a vida e, algumas das coisas que ela nos traz; o que aquele cigarro representaria para aquele rapaz, jovem ainda, que não quis se desfazer dele para entrar na farmácia? Mas que, ao mesmo tempo, ficou quiemando ali o oxigênio que respiramos, como se estivesse realmente esperando seu dono voltar com a certeza de que estaria ali, cumprindo seu papel de espectador.
E quando a chama do cigarro aceso é o próprio tempo que não pára; que segue sua direção e, principalmente, segundo dizem, não nos espera? Teria sido melhor apagá-lo, freá-lo a perder aqueles instantes breves que se queimaram e não voltarão, mesmo que ele acenda um novo cigarro? Já não é o mesmo que será fumado, assim como o homem que o fuma também já não será o mesmo.
Um cigarro, tão breve quanto a vida? É, e é mesmo! A fugacidade, a rapidez com que nos deixamos levar pela correnteza das horas é como o cigarro que se apaga na calçada, sem ninguém, sufocando em sua própria fumaça, desperdiçando seu fôlego numa busca desvairada por glória na qual não se acredita porque aprendemos que glorioso é apenas Deus. E nós? Não somos sua imagem e semelhança? Se assim é, não possuimos as características Dele mesmo?
Ao sair, o rapaz pegou seu cigarro e voltou a tragá-lo com alegria e avidez. Fiquei me perguntando quantas vezes somos capazes de retornar, refletir e “tragar” com vontade a vida que nos é dada, ainda que ela não seja exatamente o que queríamos? Mas, se sou imagem e semelhança do Divino, há limites para o que posso viver ou esse limite sou eu mesma?
Idealizei que o cigarro é uma metáfora para tudo aquilo que, supostamente, não podemos ter, então, o tragamos com força esperando que ele nos dê a coragem de que precisamos para lutar pelos nossos sonhos.
Nossos sonhos são apenas um cigarro aceso que se apaga toda vez que dizemos: eu não posso!
Tragar a vida com verdadeiro desejo: sonho de todos; vontade de poucos; incerteza da maioria, especialmente, quando não se fuma.